Política Nacional de Resíduos Sólidos
prevê fechamento dos lixões até agosto, mas somente metade dos municípios
brasileiros chegaram a elaborar seus planos de gestão de resíduos
Por
Elisa Batalha, na Revista Radis, Número: 139,
Abril/2014
É lei desde 2010. A partir de 3 agosto de 2014, não será
permitido descartar lixo em vazadouros a céu aberto — os lixões — sob pena de
multa. Segundo a Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS), o material reciclável deve ser coletado separadamente, e o que
não tiver aproveitamento deve ser levado a aterros sanitários. Apesar da
proximidade do prazo, grande parte dos municípios não elaborou o seu Plano de
Gestão de Resíduos Sólidos, com soluções ambiental e socialmente adequadas para
o problema do lixo. Conforme levantamento da Confederação Nacional dos
Municípios (CNM), apenas 9% dos municípios haviam elaborado o plano até 2012,
quando venceu o prazo dado pela lei para essa etapa. Segundo dados da última
Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, do IBGE, de 2008, o país conta com
2.906 lixões, onde o lixo é depositado sem tratamento, em 2.810 municípios,
mais da metade do total de municípios do país. O problema é mais grave em
cidades de pequeno porte e na Região Nordeste. “Estimamos que, hoje, 51% dos
municípios tenham elaborado o plano, mas acredito que é extremamente difícil,
especialmente para os municípios pequenos, cumprir o prazo de fechamento dos
lixões”, diz o coordenador nacional da CNM, Valtenir Bruno Goldmeier. Segundo
ele, a confederação encaminhou pedido de postergação do prazo de apresentação
dos planos para até 2015.
O fechamento dos lixões é uma — a mais
urgente — das medidas determinadas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos
(que tramitou por quase 20 anos no Congresso antes de ser sancionada). Ações
como realização de coleta seletiva, responsabilização compartilhada de empresas,
poder público e consumidores sobre o lixo produzido fazem parte da agenda
(Radis 102). Segundo estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica
(Ipea), de 2010, apenas 2,4% de todo o serviço de coleta de resíduos sólidos
urbanos no Brasil são realizados de forma seletiva.
A
discussão sobre como aperfeiçoar e acelerar a implementação da PNRS, esteve em
debate nas etapas municipais e estaduais da 4ª Conferência Nacional do Meio
Ambiente, integralmente dedicada ao tema. “Não é possível que se levem outros
20 anos para resolver o problema do lixo”, afirmou a ministra do Meio Ambiente,
Izabella Teixeira, na abertura do evento, realizado em Brasília entre 24 e 27
de outubro de 2013. Ao seu lado, o então ministro das Cidades, Aguinaldo
Ribeiro, apontou que o “problema é essencialmente urbano”, observando que, em
2015, seremos 93% de brasileiros vivendo em cidades. “Não existe coleta
seletiva na capital do país”, apontou Ronei Alves, do Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis. Ele lembrou que com o fechamento de Jardim
Gramacho, no Rio de Janeiro (ver matéria na pág. 20), o título de maior lixão a
céu aberto da América Latina passou ao lixão da cidade Estrutural, no Distrito
Federal, que recebe 8 mil toneladas de resíduos por dia.
A conferência, que reuniu representantes da sociedade civil, do setor
empresarial e do setor público, teve como proposta mais votada a que determina
que a implementação da política deve “garantir recursos financeiros para que os
municípios e Distrito Federal tenham condição para que as
cooperativas/associações de catadores de materiais recicláveis executem o trabalho
de coleta seletiva, triagem e educação ambiental nas regiões de sua
localização, com a devida remuneração pelo poder público, disponibilizando
espaços físicos para as suas instalações e ecopontos”. Os debates se deram em
quatro eixos: Produção e consumo sustentáveis; Redução dos impactos ambientais;
Geração de trabalho, emprego e renda; e Educação ambiental. Foram definidas 60
ações a serem priorizadas na implementação da política, quinze de cada eixo.
Corrida
contra o tempo
Os representantes das prefeituras e estados presentes à conferência se
mostraram preocupados com o prazo para fechamento dos lixões, considerado
curto. “Não podemos ser vistos como gestores irresponsáveis que só querem adiar
prazos”, disse o representante da Associação Nacional dos Serviços Municipais
de Saneamento (Assemae), Francisco Lopes. “Não é indisposição dos municípios.
Todos queremos acabar com os lixões. Até agosto, será realidade em alguns
estados e em outros, não”. Segundo ele, a construção e manutenção de aterros sanitários
está fora do alcance da maior parte dos municípios. “Mais de 90% não têm
orçamento para manter um aterro”, disse Francisco, que defende cobrança de taxa
para cobrir os gastos extras dos municípios com a coleta seletiva. “É
importantíssimo para garantir a sustentabilidade dos serviços”.
Para Vinicius Fonseca, representante do Rio de Janeiro no
movimento dos catadores, os prefeitos tiveram quatro anos para fechar os
lixões, desde que a lei foi assinada, em 2010.
“Eles alegam que não houve tempo. O Governo Federal vem alocando
recursos. Muitas vezes essa verba é mal utilizada”, considerou.
De acordo com o professor José Cláudio Junqueira, da Faculdade
de Engenharia e Arquitetura da Universidade Fumec e da Escola Superior Dom
Hélder Câmara, em Minas Gerais, só é viável economicamente manter um aterro
sanitário com volume de resíduos gerado por pelo menos cerca de 100 mil
habitantes. A reunião de vários municípios em consórcios para a construção e
manutenção de aterros já ocorre em alguns estados, como no Paraná, e tem muitas
vantagens, defendeu. “É importante agrupar os municípios para que se faça
consorciamento. Dois terços dos aterros sanitários construídos nas últimas
décadas voltaram a ser lixões por falta de manutenção”, informou.
O representante da Secretaria Nacional de Saneamento Básico do
Ministério das Cidades, Sérgio Cotrim, observou que há avanços nos maiores
centros urbanos, mas os municípios de menor porte encontram dificuldades.
“Existe um problema orçamentário”, considerou. “É necessário resolver a
sustentabilidade econômica e as fontes orçamentárias desses municípios”.
“Quem estabeleceu as metas foi o Congresso Nacional”, afirmou,
em entrevista à Radis (ver pág. 16), o coordenador geral da 4ª Conferência
Nacional de Meio Ambiente, Geraldo Abreu, diretor do Departamento de Cidadania
e Responsabilidade Socioambiental da Secretaria de Articulação Institucional e
Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Para ele, as prefeituras
precisam agir. “O que o governo avalia é que não é possível, quatro anos depois
da promulgação da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, os prefeitos virem a
Brasília pedir prorrogação de prazo para fechar os lixões e responderem que
nada foi feito, quando perguntamos o que fizeram até o momento”.
Dispor de um aterro sanitário não garante destinação adequada
dos resíduos, conforme previsto na política nacional. Para Luiz Firmino Martins
Pereira, da Subsecretaria Executiva de Meio Ambiente do Estado do Rio de
Janeiro, sem coleta seletiva, toda solução será limitada. “O aterro sanitário
coloca o Rio de Janeiro no século 20, não no século 21”, observou. O Rio de
Janeiro, por exemplo, deposita a maior parte do seu lixo em um aterro
consorciado, no município vizinho de Seropédica. Embora tenha cumprido a meta
de fechamento de seu lixão (em Gramacho), com tecnologia adequada, ainda não
resolveu a questão da coleta seletiva.
O fim dos lixões e o sucesso da Política Nacional de Resíduos
Sólidos dependeria, ainda, de uma mudança geral de comportamento. “É preciso
que todos estejam engajados na separação do lixo nas casas, estabelecimentos
comerciais, órgãos públicos e nas empresas. É difícil atingir essas metas se
não houver mudança no comportamento das pessoas”, analisou José Cláudio.
Logística
reversa
A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê que fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes de determinado produto que possa causar danos ao
meio ambiente ou à saúde humana devem criar um sistema de recolhimento e
destinação final independente dos sistemas públicos de limpeza urbana. Ou seja,
quem pôs o produto na rua tem que ajudar a recolher e evitar que ele vá se
acumular nos aterros. “A logística reversa é uma materialização da responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Significa que, para alguns
produtos, a responsabilidade sobre o recolhimento após o consumo é de
fabricantes, importadores, comerciantes e distribuidores de maneira
compartilhada, e o consumidor também entra nessa divisão de tarefas”, afirma
Zilda Veloso, do Departamento de Meio Ambiente Urbano do Ministério de Meio
Ambiente.
Eletroeletrônicos, pilhas e baterias, pneus, lâmpadas
fluorescentes e embalagens de óleos lubrificantes são os itens de logística
reversa obrigatória e sobre os quais se vêm fazendo acordos setoriais. Resíduos
hospitalares e embalagens de agrotóxicos já são regidos por regulamentação
específica, que dita procedimentos para sua destinação adequada, para evitar
contaminação de pessoas e do ambiente. O setor de óleos lubrificantes foi o
primeiro a aderir ao acordo setorial, em dezembro de 2013.
Profissão
reconhecida
Os representantes do Movimento Nacional de Catadores de Materiais recicláveis
(MNCR) tiveram protagonismo na conferência, defendendo com veemência seus
pontos de vista. Foi vitoriosa, por exemplo, uma das mais discutidas propostas
do evento, que tratava de alteração na lei com objetivo de proibir toda e
qualquer incineração de resíduos sólidos. “São milhares de pessoas que vão
perder o seu sustento se materiais recicláveis forem incinerados. Incineração é
um monstro, um equívoco, é queimar dinheiro. Materiais recicláveis e orgânicos
têm que ser tratados, não incinerados. Só o que não tiver aproveitamento, os
rejeitos, é que devem ter essa destinação. É obsoleto e não é ambientalmente,
socialmente e economicamente viável”, apontou Vinicius Fonseca, do MNCR do Rio
de Janeiro.
A inclusão social do catador na cadeia de resíduos é considerada
um dos aspectos mais avançados e ao mesmo tempo mais complexos da PNRS. O papel
atribuído a eles na política é de grande relevância. “O catador é um agente
social de transformação que resolve muitos dos problemas que nós criamos”,
resumiu a ministra Izabella Teixeira. São aproximadamente 600 mil trabalhadores
que têm na coleta de resíduos sua fonte de renda .
Apesar de a profissão de catador já ter sido reconhecida pela
Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), em 2002, as condições em que esses
trabalhadores atuam são precárias, incluindo-se a exploração econômica de que
são alvo, por parte de empresários e atravessadores. “O catador tem que ser
remunerado pelo trabalho. É injusto remunerar pelo material e não pelo serviço
de logística reversa que prestam”, defendeu Pedro Moura Costa, da BV RIO,
empresa que trabalha com créditos de logística reversa, ou seja, uma forma de
quantificar e dar valor de mercado ao serviço de coletar, recuperar e dar
destinação adequada aos resíduos sólidos, incluindo o material reciclável. “É
uma forma de comércio de ativos ambientais. Os mais conhecidos ativos
ambientais são os créditos de carbono”, explicou.
Ele informou que somente 2% do lixo no país são reciclados e 65%
desse lixo são coletados por catadores. Do material reciclável coletado, 95%
são latinhas, com maior valor de mercado. “A contribuição da indústria com
pontos de coleta voluntária tem sido simbólica. A coleta seletiva fica como um
pepino que cai em cima do serviço público”. Para Pedro, existe discrepância de
poder de barganha entre catadores e indústria. “É uma negociação
desbalanceada”, definiu.
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